O Brasil tem experimentado um aumento da temperatura superior à média global nas últimas seis décadas, com algumas regiões apresentando um aquecimento de até 3ºC nas temperaturas máximas diárias, conforme revela o relatório Mudança do Clima no Brasil - Síntese Atualizada e Perspectivas para Decisões Estratégicas. O estudo, que será oficialmente lançado nesta quarta-feira (6) em Brasília, analisa as projeções futuras para o país e aponta que eventos climáticos extremos, como secas severas e ondas de calor, se tornarão mais frequentes e intensos. Desde 1990, o número de dias com ondas de calor no Brasil aumentou de sete para 52 até o início desta década.
O relatório é uma versão adaptada do último estudo do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e integra outras pesquisas científicas recentes. Ele resulta de uma colaboração entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, a Rede Clima, o WWF-Brasil e o Instituto Alana. O principal objetivo é fornecer uma base para as decisões políticas e estratégicas do Brasil em relação às mudanças climáticas.
O estudo revela que, caso a temperatura global aumente 2ºC até 2050, diversos limiares críticos para a saúde humana, a agricultura e os ecossistemas naturais do Brasil serão ultrapassados com maior frequência. Entre os cenários mais alarmantes projetados pelos pesquisadores, está o aumento de até 200% da população brasileira afetada por enxurradas. O país também verá um aumento na incidência de doenças transmitidas por vetores, como a dengue e a malária, com um número crescente de mortes devido às condições climáticas mais extremas.
A Amazônia, uma das regiões mais afetadas, poderá perder até 50% de sua cobertura florestal devido à combinação de desmatamento, condições mais secas e aumento dos incêndios florestais. Isso afetará profundamente o ciclo dos rios, com uma diminuição significativa dos fluxos de água. A seca também se intensificará nas regiões Norte e Centro-Oeste, atingindo principalmente os estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima. O ciclo de chuvas no Brasil e em outras partes da América do Sul também será alterado, afetando diretamente a disponibilidade de água.
O impacto sobre a pesca será igualmente severo. Os estoques pesqueiros poderão ser reduzidos em até 77%, com uma diminuição de 30% a 50% no número de empregos no setor. A perda de receitas também será considerável, com uma queda de até 30% no Produto Interno Bruto (PIB) relacionado ao setor pesqueiro. A região Nordeste do Brasil, onde vivem cerca de 55 milhões de pessoas, pode perder até 94% de seu território para o deserto devido à intensificação da seca.
Além disso, as grandes cidades brasileiras, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, ficarão expostas à escassez de água. Estima-se que, em um cenário de aumento de 2ºC na temperatura global, até 21,5 milhões de pessoas em áreas urbanas possam ser afetadas pela escassez de água e pelo impacto nas safras agrícolas, que reduzirão a oferta de alimentos.
As conclusões do relatório indicam que o Brasil precisa tomar medidas urgentes para limitar o aumento da temperatura global a 1,5ºC, evitando que as emissões de gases de efeito estufa continuem crescendo. Para isso, é essencial revisar as metas brasileiras de redução de emissões, que, segundo o estudo, não têm sido suficientes para corresponder à magnitude do problema.
Entre as medidas mais imediatas recomendadas pelos pesquisadores estão o fim do desmatamento em todos os biomas do país, a implementação de programas de pagamento por serviços ambientais e a transição para uma agricultura de baixo carbono. O uso de sistemas agroflorestais e a integração de lavoura, pecuária e floresta são apresentados como alternativas para reduzir as emissões e aumentar a resiliência do setor agrícola frente às mudanças climáticas.
A gestão integrada dos recursos hídricos e a adoção de sistemas agrícolas mais resilientes às mudanças climáticas também são essenciais para garantir a segurança hídrica e alimentar no Brasil. Além disso, o estudo enfatiza a necessidade de adotar soluções baseadas na natureza, como a ampliação de áreas verdes nas cidades, que proporcionem drenagem natural e mitiguem os efeitos das chuvas intensas e das enchentes.
Outra medida importante sugerida pelo relatório é o investimento em transporte público de baixo carbono, incentivando o uso de transportes coletivos e não motorizados, como bicicletas. O estudo também destaca a importância de uma maior cooperação internacional no financiamento de ações climáticas, além do apoio ao desenvolvimento e à transferência de tecnologias limpas para ajudar o Brasil e outros países a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa.
O relatório adverte que, se não forem tomadas as ações necessárias, os impactos das mudanças climáticas no Brasil serão devastadores. A mitigação dos efeitos das mudanças climáticas exigirá esforços conjuntos do governo, setor privado e sociedade civil, além de uma maior colaboração internacional. A ação rápida e eficaz nos próximos anos será crucial para garantir um futuro sustentável para as gerações vindouras.